PRISCILLA
BUHR
Hoje não
Recife, em algum lugar perdido entre março e outubro de 2020. Quarentena da Covid 2019.
“O mundo é um homem velho que está dormindo. Logo, logo, ele acorda. Acorda, mundo. Vem uma criança novinha, passa a mão na sua cabeça, o mundo ergue-a, sonolento, não entende onde está, que dia é, que horas são. Esqueceu. Pergunta à criança: em que lugar estou? Ela responde: mundo, você é todos os lugares. mas qual é o dia? O dia é você mesmo. o mundo se espreguiça. Não gostou de ser ele mesmo o tempo e o espaço. Boceja. Menino, você pode me fazer um favor? Posso sim, mundo. Quando der dez para as nove, de uma terça de manhã, você me acorda de novo? Preciso tomar um remédio novo. mas hoje não, tá, por favor. Hoje ainda vou dormir um pouco mais. O menino concordou.” Noemi Jaffe
Assim como o mundo, minha mãe, 73 anos, dorme e meu filho, 3 anos, corre e desacelera o tempo. Eu transito entre sentir os dias como cicatrizes ou me perder nas ausências dos silêncios do corpo cansado. A rotina tem cheiro de álcool e água sanitária, tem a textura da pele descamando e o desalento de, e quantas vezes, quis chorar e não consegui, perdida no tempo. O diário imagético é a fuga para os olhos exaustos.